“Com que roupa se vai num show de rock? Posso levar a minha mochila?”, Perguntou a jovem Amanda Stabile em uma troca de mensagem comigo pelo aplicativo WhatsApp. Logo percebi que a estudante de jornalismo de 20 anos de idade ainda não havia assistido a um show de rock e que aquela experiência seria única.
O show em questão, aconteceria dentro do evento Brasil Music Summit que ocorreu na cidade de São Paulo entre os dias 6 e 9 de fevereiro. Além de apresentações musicais, o evento contava com palestras, cursos e workshops voltados para o marketing musical. E entre os shows programados no Unibes Cultural, o Autoramas era uma das atrações.
Divulgando o recém lançado Libido, o disco integrou inúmeras listas dos melhores lançamentos de 2018, incluindo publicações internacionais. Com 20 anos de trajetória, o quarteto formado por Gabriel Thomaz (vocal e guitarra), Érika Martins (vocal, guitarra, teclado e percussão), Jairo Fajer (Baixo) e Fábio Lima (Bateria) é, sem sombra de dúvidas, o grande nome do gênero no país. Muito pela sua ousadia de fundir elementos sonoros como o punk rock e o garage rock, com a jovem guarda de Erasmo e Roberto. Para a jovem Amanda, que ainda não havia presenciado uma apresentação de rock, não haveria iniciação melhor no gênero do que contemplar os Autoramas e toda sua versatilidade em ação.
Às 18h50, Gabriel Thomaz soou em sua guitarra os primeiros acordes da dançante Sofa, Armchairs and Chairs o primeiro single do supracitado Libido, para a alegria dos presentes que ainda adentravam no recinto. Antes do show começar, levei Amanda na lateral do palco e apresentei ao próprio Gabriel dizendo: “Esse é o primeiro show de rock dela”, completamente surpreso ele perguntou: “E onde que você estava durante esse tempo?”, e talvez seja essa a pergunta que você leitor tem feito desde que leu o título desse texto, por que só aos 20 anos de idade que Amanda assistiu a um show de rock?
Em primeiro lugar vamos aos fatos. Uma recente pesquisa publicada no New York Times, baseada em dados de usuários do Spotify, registrou que o nosso caráter musical é moldado na adolescência. O resultado foi que homens acabam formando o gosto musical com idade entre 13 e 16 anos e têm em média 14 anos quando sua música favorita é lançada. Já as mulheres têm entre 11 e 14 anos quando escolhem seu estilo musical e média de 13 anos quando a sua música preferida sai.
Transpondo isso pra vida da nossa personagem do texto, em 2013, a Amanda Stabile tinha 15 anos, a idade que o seu caráter musical já estava formado. Você se lembra quais eram as 10 músicas mais tocadas nas rádios naquele ano?
Calma que eu te lembro:
1 – Vidro Fumê – Bruno & Marrone
2 – Te Esperando – Luan Santana
3 – Show das Poderosas – Anitta
4 – Vagalumes – Pollo e Ivo Mozart
5 – “Amor de Chocolate” – Naldo Benny
6 – Don’t You Worry Child – Swedish House Mafia
7 – Amiga da Minha Irmã – Michel Teló
8 – 93 Million Miles – Jason Mraz
9 – Sogrão Caprichou – Luan Santana
10 – Choro – Leonardo
Achou algum rock na lista?
E vamos considerar também outros fatores, na época, que corroboraram muito para a não popularização do gênero no país, como o fim da MTV como canal aberto. Entre os anos 1990 e 2000, a MTV desempenhava um papel importantíssimo como formadora de opinião musical, apresentando as principais novidades do mundo da música, principalmente em um momento que o rock mainstream estava em alta. Claro que hoje temos plataformas, como YouTube, que tem um alcance maior, gerando uma espécie de democratização na música, principalmente dando oportunidade para artistas independentes, mas, para o bem da verdade, é que quando temos o nosso estilo musical definido, os milhares de vídeos musicais disponíveis no YouTube, não irão fazer diferença alguma, sempre iremos ouvir aquilo que estamos familiarizado.
Ainda sobre como é moldado o nosso gosto musical, uma pesquisa realizada pela neurocientista canadense Valorie N. Salimpoor, descobriu que ao ouvir uma música que consideramos ser boa, o nosso cérebro libera uma substância chamada dopamina, que causa bem-estar, motivação e prazer. Durante a pesquisa, foram tocados diversos estilos de músicas, e partir dessa ação foi constatada que a música atua em diversas áreas do cérebro de forma simultânea, porém, cada estilo musical estabelecia o seu padrão de atuação. Para Salimpoor, o que determina o nosso gosto musical é a forma como os neurônios conectam entre si e isso é desenvolvido ao longo da vida. Isso é, se crescemos ouvindo um determinado tipo de música, o nosso neurônio já cria uma conexão que sempre será ativada quando ouvimos um estilo de música parecido. Da mesma forma que quando ouvimos uma música diferente do que estamos acostumados a ouvir, o nosso neurônio não responde com familiaridade a ela e por isso não gostamos.
“Amanda, qual era o seu artista favorito quando você tinha, sei-lá, 10 anos de idade?”, perguntei pra ela, enquanto o Autoramas terminava de passar o som: “O RBD”, ela me respondeu com um sorriso largo. Pra quem não se recorda, RBD foi um grupo pop mexicano surgido em 2004, que fazia parte da novela Rebelde, que foi sucesso no Brasil sendo exibida pelo SBT.
Importante ressaltar também, que se a Amanda não tinha familiaridade alguma com o rock, obviamente aquele era o seu primeiro contato com o Autoramas. Se a minha geração, conheceu o Autoramas, por conta da antiga banda do líder Gabriel Thomaz, o Little Quail and the Mad Birds, que veio daquele cenário de bandas brasiliense dos anos 1990 como Rumbora, DFC, Filhos de Mengele, Câmbio Negro e os Raimundos, a geração da Amanda, por sua vez, tampouco conhecia os Raimundos. E não é por maldade ou preguiça, mas por conta de toda a lacuna de gerações apresentada acima.
De volta ao show, apesar do repertório ter sido calcado em boa parte no disco novo, como o caso do single Stressed Out e da canção No Futuro, essa cantada brilhantemente pela Érika Martins, outros grandes sucessos do Autoramas pincelaram o setlist, como Abstraí, Quando a Polícia Chegar, Paciência e Catchy Chorus, essa com Gabriel, Érika e Jairo descendo do palco e interagindo com a plateia. A curtíssima apresentação foi encerrada com Ding Dong, canção também do disco Libido, que traz um inovador videoclipe interativo. Nesse momento, Amanda, que estava se deliciando com o show desde o início, me deu um outro largo sorriso e confidenciou: “Essa eu conheço, eu ouvi ela o dia inteiro antes de vir pra cá”, eu sorri mais largo ainda.
Do palco, a banda avistou na plateia o músico, amigo e eterno Planet Hemp BNegão, e convidou o mesmo para uma participação especial improvisada. Era bem provável que a canção escolhida seria 1,2,3,4 o hino atemporal do já citado Little Quail and Mad Birds, no qual o Autoramas fez uma versão surf rock, com a participação do próprio BNegão, registrada no EP Auto Boogie lançado pelos dois em 2014, porém, a produção do Brasil Music Summit impediu que parceria fosse concretizada, alegando falta de tempo, frustrando todos os presentes.
“E aí, Amanda, gostou?”, e com uma empolgação gigantesca, ela respondeu: “Eu adorei, eles são muito bons, mas a Érika é incrível! Ela é a banda, ela é linda, tem carisma, presença de palco, canta muito, dá vontade de ser ela”. Mais do que depressa, peguei Amanda pelas mãos, levei ela na lateral do palco novamente e apresentei ela pra Érika Martins, fiz todo aquele lobby de novo, que aquele era o seu primeiro show de rock, as duas se abraçaram e tiraram uma foto juntas.
Muito tem se falado sobre a importância da representatividade em nossa sociedade, e talvez se eu tivesse levado a Amanda para assistir uma apresentação de uma banda formada apenas por homens, não surtiria tanto efeito e não lhe causaria tanto magnetismo do que a oportunidade de ver no palco uma mulher empoderada, que toca os mais diversos instrumentos musicais e que canta e encanta de forma magistral.
O rock sempre foi um estilo transgressor e que quebrou inúmeros paradigmas. Ele sempre foi a trilha sonora dos desajustados, daqueles que nunca tiveram o seu lugar no mundo. Entretanto, hoje, principalmente no mainstream, ele tem se tornado cada vez mais reacionário e conservador, virou a música de um público seleto, de um grupo, e você não é bem vindo naquele grupo se não seguir as regras impostas. Talvez seja por isso que ele não seja mais atraente ao jovem nos dias atuais. Mas, naquela tarde, Amanda com certeza teve a oportunidade de conhecer o gênero como ele deve ser, uma música viva, alegre, dançante, inclusiva e que te faça sentir representado.